A cara do ocidental,
Sob
a ótica do oriental.
José Carlos Neves
Em um mês e dia
quaisquer de 1971, ao subir, ao lado da Eiko, uma ladeira de Ouro Preto, o meu
amigo Trasmontano percebeu que um menino de 8 a 10 anos os acompanhava com
discreta curiosidade; em seguida, veio mais um, e mais um e mais..., até que o
primeiro – ao sentir-se protegido por um já bom número de amigos – não resistiu
e começou a convidar, pública e sonoramente: “vem ver, vem ver,...vem ver a
japonesa com outro cara!”. Pois é, o outro “cara” era o meu amigo; e a japonesa
era a sua mulher. Para a garotada – e até para alguns adultos mais discretos –
era ainda uma cena inusitada: ver um rosto oriental fazendo par com outro
ocidental. É claro que ver turistas orientais nas ruas de Ouro Preto não era
incomum, mas ver um casal misto era quase uma cena de circo. Casados naquele
ano, e com mais dois anos de namoro e
noivado, ambos já haviam passado por situações parecidas, até mesmo em São
Paulo, cujo cosmopolitismo não impedia as fortes barreiras sociais que um
pequeno número de pioneiros ia rompendo gradativamente.
Mas foi nessa
cidade de tradicional família mineira que o meu amigo sentiu-se pela primeira
vez um gaijin, do ponto de vista ocidental,
sem que ao menos a garotada soubesse da existência e significado dessa palavra.
Para aquelas criaturas, o meu amigo não podia ser brasileiro; trasmontano, nem
pensar; americano, russo, esquimó, extra-terrestre? Não! Ele era um CRNI – Cara
de Raça Não Identificada, pois só um tipo raro assim é que poderia acompanhar a
“japonesa”, além de outro “japonês”. Até 1957, quando o meu amigo emigrou de
Portugal rumo ao Brasil, ele jamais havia visto um rosto oriental, desses com
cara bem asiática, mesmo que ainda sobrevivessem algumas colônias portuguesas
na Ásia, como Macau e Timor, além de os próprios portugueses haverem sido os
primeiros europeus a entrarem no Japão,
e a terem um intenso relacionamento entre 1543 e 1639. Nos primeiros
dias de Brasil, na sua inocência infanto-juvenil, ainda pensava que todos
aqueles rostos diferentes pertenciam a alguma grande família, teoria reforçada
pelo fato de que raramente via algum deles conversar com ocidentais. O meu
amigo, ainda na sua limitada trasmontanice, não poderia imaginar que, num
futuro não muito distante, iria juntar-se indelevelmente a essa “grande
família”.
Passados quase
40 anos depois do episódio de Ouro Preto, meu amigo Trasmontano olha para seu filho de rosto mestiço, ao lado de
sua namorada também mestiça, e pensa nos agora milhares de outros rostos
mestiços, e que em breve – no Brasil - serão mais numerosos que os rostos
orientais puros. É o mundo nikkei a absorver e a ser absorvido pelo mundo gaijin. O meu amigo é
agora dono de uma mercearia oriental, e não pode deixar de notar a cara de
surpresa da maioria de seus clientes, ocidentais ou orientais, ao ver um rosto
não oriental no comando da loja, a indicar que o extraordinário avanço
inter-racial não impediu que ele continuasse duplamente gaijin, do ponto de vista ocidental e oriental. Ele
acredita que, dentro de uns 50 anos, serão raríssimos os traços puramente
orientais no Brasil - tal o poder de
miscigenação por aqui existente – a menos que os asiáticos, reforçados de
coreanos e chineses, redescubram o país como a terra do futuro e das
oportunidades. De qualquer maneira, o meu amigo sente um enorme orgulho de ter
sido um dos pioneiros da globalização genética em que se transformou o Brasil.
JCN – FEV - 2008
(Publicado na revista Mundo OK, da comunidade nikkey)
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